Faltava pouco para as oito da manhã e uma grande multidão
já ocupava as ruas. Dezenas de carros, motos, bicicletas e pedestres tomavam a
enorme avenida, pelo mesmo motivo de todos os dias: compromissos a cumprir.
Dentro do ônibus, a maioria distraía-se, perdida em seus
pensamentos de sonhos, desejos, obrigações e lamúrias, sem se dar conta dos
demais ao seu redor. Era só mais um bando de gente desconhecida dividindo o
mesmo planeta, por falta de opção.
Alguns tentavam recuperar as horas de sono perdidas,
acomodando-se, desconfortavelmente, nas poltronas. Outros se livravam das
pessoas inconvenientes, com seus inseparáveis fones de ouvido. Tinha ainda os
que se divertiam com seus celulares, os que estudavam e até os que rezavam o
terço.
O trocador, mais
pra lá que pra cá, com o rosto ainda inchado, não dava muita confiança aos
passageiros, tratando logo de encerrar qualquer assunto iniciado por alguns
poucos mais sociáveis.
A viagem era longa, e muitos seguiam em pé. Apenas uma
mocinha cedeu lugar a uma senhora. O restante, simplesmente, ignorava a
presença de pessoas com prioridade para assentar-se ou que carregavam objetos
pesados. E é claro, a atitude da mocinha também, inclusive a senhora, que nem
sequer agradeceu.
Mais ou menos no meio do veículo, uma mulher robusta
ocupava um banco, enquanto suas sacolas ocupavam o outro ao seu lado. E assim,
fazendo-se de sonsa, permaneceu, até que o trocador, a pedido de outro viajante
e a contragosto, solicitou que ela retirasse seus pertences.
Pairava no ar o silêncio que todos se esforçavam tanto
para conseguir. Sentiam-se vencedores, absortos em seu mundo intelectual ou
tecnológico, incapazes de compreender o outro e a si mesmos, colocando chifre
em cabeça de cavalo, pois só sabiam olhar para o próprio umbigo.
E assim se repetia todos os dias. Inúmeras pessoas
ajuntavam-se em um mesmo lugar, e deixando-se levar pelo mau-humor ou, quem
sabe, pelo ego, fingiam não ver os
outros, para evitar a fadiga de dizer um “bom dia” ou de oferecer uma simples
ajuda.
Prisioneiros de um mundo digital e individualista,
certamente o comportamento no coletivo era apenas um reflexo do restante de
suas vidas, onde os bons costumes, a educação e todas as gentilezas que tornam
o mundo mais agradável, e que, provavelmente, seus pais e avós lhes ensinaram,
não passavam de conselhos ultrapassados, esquecidos em algum canto de suas
mentes.
Queriam um mundo melhor, queriam mais paz e
solidariedade, mas estavam ocupados demais para fazer alguma coisa,
contentando-se em esperar que os outros fizessem em seu lugar. Fechados em seu
casulo, bastavam a si mesmos.
Ao anoitecer, mais uma vez estavam todos lá, esparramados
em suas poltronas ou segurando onde podiam, pensando apenas em chegar em casa e
recuperar forças para, no próximo dia,aturar toda aquela gente de novo.
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