segunda-feira, 21 de maio de 2012

Tele - Transporte



Faltava pouco para as oito da manhã e uma grande multidão já ocupava as ruas. Dezenas de carros, motos, bicicletas e pedestres tomavam a enorme avenida, pelo mesmo motivo de todos os dias: compromissos a cumprir.

Dentro do ônibus, a maioria distraía-se, perdida em seus pensamentos de sonhos, desejos, obrigações e lamúrias, sem se dar conta dos demais ao seu redor. Era só mais um bando de gente desconhecida dividindo o mesmo planeta, por falta de opção.

Alguns tentavam recuperar as horas de sono perdidas, acomodando-se, desconfortavelmente, nas poltronas. Outros se livravam das pessoas inconvenientes, com seus inseparáveis fones de ouvido. Tinha ainda os que se divertiam com seus celulares, os que estudavam e até os que rezavam o terço.

 O trocador, mais pra lá que pra cá, com o rosto ainda inchado, não dava muita confiança aos passageiros, tratando logo de encerrar qualquer assunto iniciado por alguns poucos mais sociáveis.

A viagem era longa, e muitos seguiam em pé. Apenas uma mocinha cedeu lugar a uma senhora. O restante, simplesmente, ignorava a presença de pessoas com prioridade para assentar-se ou que carregavam objetos pesados. E é claro, a atitude da mocinha também, inclusive a senhora, que nem sequer agradeceu.

Mais ou menos no meio do veículo, uma mulher robusta ocupava um banco, enquanto suas sacolas ocupavam o outro ao seu lado. E assim, fazendo-se de sonsa, permaneceu, até que o trocador, a pedido de outro viajante e a contragosto, solicitou que ela retirasse seus pertences.

Pairava no ar o silêncio que todos se esforçavam tanto para conseguir. Sentiam-se vencedores, absortos em seu mundo intelectual ou tecnológico, incapazes de compreender o outro e a si mesmos, colocando chifre em cabeça de cavalo, pois só sabiam olhar para o próprio umbigo.

E assim se repetia todos os dias. Inúmeras pessoas ajuntavam-se em um mesmo lugar, e deixando-se levar pelo mau-humor ou, quem sabe, pelo  ego, fingiam não ver os outros, para evitar a fadiga de dizer um “bom dia” ou de oferecer uma simples ajuda.

Prisioneiros de um mundo digital e individualista, certamente o comportamento no coletivo era apenas um reflexo do restante de suas vidas, onde os bons costumes, a educação e todas as gentilezas que tornam o mundo mais agradável, e que, provavelmente, seus pais e avós lhes ensinaram, não passavam de conselhos ultrapassados, esquecidos em algum canto de suas mentes.

Queriam um mundo melhor, queriam mais paz e solidariedade, mas estavam ocupados demais para fazer alguma coisa, contentando-se em esperar que os outros fizessem em seu lugar. Fechados em seu casulo, bastavam a si mesmos.

Ao anoitecer, mais uma vez estavam todos lá, esparramados em suas poltronas ou segurando onde podiam, pensando apenas em chegar em casa e recuperar forças para, no próximo dia,aturar toda aquela gente de novo.

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