quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Alucinações urbanas


Vinha em sua direção..
Como justamente quando não queremos que aconteçam é que as coisas acontecem,não tinha dúvidas!Sentaria no banco ao lado do seu.
Vira a imagem assustadora,sombria pela janela do ônibus.
Estranho,desgrenhado.
Caminhava decididamente,como se estivesse prestes a tomar uma atitude drástica.
Sabia que havia embarcado no mesmo ônibus,apesar de não poder vê-lo.
Estava mais ou menos nas poltronas do meio,não porque gostava do meio,não pelo boato de que no meio corre-se menor risco no caso de ocorrer um acidente,mas porque era o único local em que o banco tinha as duas poltronas vazias.
Nos ônibus,existem duas regras implícitas.Ninguém se senta com pessoas desconhecidas se houver um banco completamente vazio,e  nenhuma mulher se senta com um homem desconhecido caso haja bancos de um assento vazio,cujo outro esteja ocupado por outra mulher.(Ah,e caso só haja bancos vazios com um assento ocupado por homens,elas procuram o banco em que estejam os mais velhos comparados a  ela (leia-se aqueles que não tem mais idade para ter um caso com ela) ou aqueles que lhe parecem menos estranhos).
Estava apavorada,cada segundo que passava e não via o sujeito desesperava-se mais.
"Vai sentar aqui,vai sentar aqui".Era a única coisa em que pensava.
Os segundos pareciam uma eternidade.
"E aquele infeliz que não chega!"
Tentava repelí-lo pela força do pensamento,mas sabia que se tivesse de sentar ali,ali sentaria.
Finalmente viu de relance,pela visão lateral,o seu vulto.Esguio, desajeitado.
Usava roupas largas e de cores destoantes entre si.
Cabelo desarrumado.
Pôde ouvir sua voz em uma pergunta ao cobrador:
-Quanto é?
Uma voz grave e imperativa,mas ao mesmo tempo lerda.
Parecia escolher a dedo o lugar para assentar-se.Demorava.
Avançou uma,duas,três poltronas.Aproximava-se.
Ela agonizava.
"Pronto.É aqui que vai escolher.Não tem mais jeito!
Deixa.Se quiser,que sente.De nada adianta a minha vontade mesmo!"-Pensava com pesar e desespero,tentando consolar-se
"Vou fazer o que?Um escândalo?Um escândalo porque se sentou ao meu lado?
Posso mudar de lugar.Mas e se provocar a ira dele?Não,melhor não!Aguentarei firme!"
Chegou a fechar os olhos no maior sinal de avizinhação dele,como que esperando o infortúnio.
Passou direto e ajeitou-se em um banco a frente,do lado oposto ao seu.
Ela sorriu,aliviada.
Chegou sua vez de descer.Deu o sinal.
Decidiu que passaria rapidamente pelo banco dele.Assim,quando ele dirigisse o olhar em sua direção,ela já teria passado.
Levantou-se,deu o sinal.
Foi depressa,olhando para frente,com cabeça extremamente rígida,como se não tivesse articulações.
Passou.
O alívio foi imediato.
Mas...
Sentiu lhe encostarem a mão nas costas.Virou-se repentinamente,como que preparada para uma luta corporal.
Ele lhe estendia um pedaço de papel verde,que imediatamente reconheceu ser seu.
Estendeu a mão para pegar,ainda com certo receio,mas menor.
Agradeceu.
Ele apenas sorriu.
Um sorriso tão afetuoso,tão apaziguador,tão estranhamente delicado,tão humano que ela desarmou-se por inteiro
Retribuiu sinceramente e pôs-se para fora do automóvel.
Sentia-se uma completa idiota!
"Mas e se fosse verdade?"
Deu um leve sorriso e seguiu.

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